sábado, agosto 13, 2005

Artigo de opinião - Originalidade dos decks

O LightLightning escreveu este óptimo artigo, o qual transcrevo com agrado e deixo aqui com devida vénia (se quiseres fazer mais artigos destes dou-te de bom grado lugar de moderador neste modesto site).

"No seguimento do recente Mundial, acho que é finalmente altura para iniciarmos uma discussão sobre originalidade dos decks. Ok, isto não é uma discussão, é um artigo meu, mas são sempre livres de dar a vossa opinião. Esta é uma área em que eu tenho vindo a pregar já há vários anos, sempre a tentar convencer alguns jogadores de que, num deck que aproveite ao máximo as sinergias entre as suas diferentes cartas, cada carta do deck torna-se tão poderosa como um BLS. Até agora, esta ideia geralmente é recebida com um "sim, claro", um olhar vazio de descrença e um pensamento de "este gajo não regula bem" (até agora nenhum se atreveu a expressar vocalmente esse pensamento, talvez por respeito aos 3 anos de experiência que eu já tenho neste jogo ou talvez por respeito à minha altura de 1,85m e à minha paixão pelas artes marciais). Mas finalmente alguém (que infelizmente não fui eu devido à minha péssima prestação no recente campeonato ibérico) conseguiu mostrar a todo o Mundo que o efeito surpresa pode ser mais forte do que um deck cheio de staples. E a parte que eu mais adorei é que não foi apenas UM jogador, nos recentes Mundiais havia imensos decks originais a desafiar o reinado dos cookie-cutters.
Para aqueles que estão a pensar "ya, ya, isso é tudo muito bonito, mas quem ganhou os Mundiais tinha um cookie-cutter com uma Sacred Pheonix lá pelo meio" desenganem-se. É verdade que o deck base tinha todas as staples que são comuns aos cookie-cutters (apesar de a Sacred Pheonix já poder ser considerada um toque de originalidade e personalização), mas o que lhe permitiu ganhar os mundiais foi única e exclusivamente o Side Deck que estava bastante bem preparado, e mesmo assim foi necessária uma grande sorte no último top deck para conseguir salvar-se no último momento contra o deck de Mill do representante do México. Ah, e ficaria bastante surpreendido se ele não tivesse aproveitado no Sábado para conseguir reunir o máximo de informações sobre os decks originais que poderia enfrentar no Domingo, o que certamente arruinou grande parte do efeito surpresa e lhe permitiu estudar antecipadamente as melhores jogadas contra esses decks.
Eu não quero tentar parecer o "gajo que sabe tudo", porque certamente não sei. Se soubesse, não tinha ficado em casa a ler as poucas notícias que se iam sabendo dos Mundiais. No entanto, quando foi dada a conhecer a decklist que o Zé levou aos Mundiais (já agora, parabéns Zé. Mesmo que não tenhas chegado ao Dia 2 tenho a certeza que deste o teu melhor e representaste bem Portugal), aquilo que eu disse foi:
"No geral parece-me um deck bom, mas demasiado conservador e que provavelmente estará em desvantagem contra um deck que aproveite melhor as sinergias entre as diferentes cartas.
Resta-me esperar que o Zé aproveite bem o Side Deck e a sua experiência para poder dar a volta a essa desvantagem e fazer um bom resultado."
E na verdade parece-me que esta foi uma previsão que praticamente resumiu o que aconteceu nos Mundiais. Os decks conservadores não estavam suficientemente bem preparados contra os decks originais que apareceram. Os cookie-cutters não eram muitos e vários dos que existiam posso tentar adivinhar (sim, estou mesmo a adivinhar, não há nenhuma prova disto e posso estar redondamente enganado) que estavam nas mãos de jogadores que apenas esperavam encontrar pela frente os decks que estão habituados a ver nos tops de torneios passados. Ora a minha experiência diz-me que o efeito surpresa (e a imprevisibilidade associada) é uma das tácticas de jogo mais poderosas que existe em Yu-Gi-Oh!. Aqueles jogadores com mais experiência e que aproveitaram bem o Side Deck (como o representante da Grécia) conseguiram superar o desafio e dar a volta à desvantagem, os outros.... não conseguiram.
Mais uma vez não quero parecer arrogante (sim, eu sei que mesmo assim pareço, mas estou a esforçar-me), mas eu nunca acreditei que um simples cookie-cutter pudesse ganhar um grande evento, razão pela qual eu tenho passado o último ano a tentar descobrir novos decks com grande potencial em vez de me dedicar a mirror matchs de cookie-cutter contra cookie-cutter (sim, é verdade, há um ano que eu não uso um cookie-cutter num torneio grande). Já experimentei quase todos os decks que é possível imaginar (uma boa parte dos quais apenas online, porque não tenho cartas para 20 ou 30 decks diferentes e sou demasiado preguiçoso para fazer proxies), desde os clássicos water, zombies, scientist otk (antes da última banlist claro), exodia, gravekeepers, fiends, burn até aos mais exóticos como toons, harpies, F.I.N.A.L., countdown, dark magician, defense, trample, fusion e muitas tentativas de decks de total lockdown (todos estes são apenas exemplos, a lista é bem mais longa). Quais foram as conclusões a que eu cheguei? Para além da óbvia conclusão de que, mesmo com toda a imprevisibilidade do mundo, nem todos os decks originais são viáveis, existe a segunda conclusão, bem mais valiosa: O potencial de um deck num determinado matchup pode ser estimado pelo número de cartas que partilham sinergias entre si, subtraindo o número de cartas que o adversário tem que retiram estas sinergias.
O que é que isto significa em termos práticos? Vejamos por exemplo o deck do vencedor dos Mundiais:
First Place : Greece - Phoenix Control (BLS)
monsters ( 17 ) :
magician of faith x2
asura priest
blade knight bls- eotb
sangan
apprentice magician
hand of nephthys
sacred phoenix god of nephthys
tsukuyomi
dd warrior lady
sinister serpent
jinzo
kycoo the ghost destroyer
breaker the magical warrior
morphing jar
tribe infecting virus
spells ( 18 ):
pot of greed
heavy storm
graceful charity
metamorphosis x2
enemy controller
scapegoat x2
nobleman of crossout x2
brain control
snatch steal
mystical space typhoon
delinquent duo
book of moon x2
premature burial
swords of revealing light
traps ( 6 ) :
torrential tribute
bottomless traphole
royal decree
mirror force
ring of destruction
call of the haunted
-
Agora vamos ver quantas sinergias é que conseguimos aqui descobrir.
Scapegoat tem sinergias com:
hand of nepthys
metamorphosis x2
enemy controller
-
Tsukuyomi tem sinergias com:
magician of faith x2
bls-eotb
morphing jar
metamorphosis x2 (TER)
-
brain control tem sinergias com:
jinzo
enemy controller
sacred pheonix
metamorphosis x2
-
hand of nepthys tem sinergias com:
sacred phoenix (óbvio....)
scapegoat x2
apprentice magician
brain control
snatch steal
-
Isto são apenas exemplos, seria possível encontrar muito mais sinergias, mas estas parecem-me ser as de maior relevo. Agora parece-me que o que salta mais à vista é que quase todas as sinergias se baseiam em uma (ou mais) de quatro cartas:
Scapegoat
Metamorphosis
Tsukuyomi
Hand of Nephtys
-
Agora vejamos, quantas cartas é que nós conhecemos que são (ou podem ser) utilizadas frequentemente para parar estas sinergias.
Scapegoat - airknight parshat, enraged battle ox, possessed dark soul, chain disappearance, tribe-infecting virus, king tiger wanghu, final attack orders, gravekeeper spear soldier
Metamorphosis - nada (contra a spell em si nada, contra Thousand-Eyes Restrict há uma boa parte)
Tsukuyomi - nada (pelo menos nada que forneça uma vantagem clara se o adversário usar tsukuyomi)
Hand of Nepthys - nada
-
Logo, em sumário, temos aqui neste deck 4 cartas com muitas sinergias, 1 das quais pode ser facilmente parada e toda a gente conta com ela, logo em todos os matchups há algumas cartas pensadas contra ela. Sobram assim 3 sinergias (Tsukuyomi, Metamorphosis e Hand of Nepthys).
-
Olhemos agora para o deck do segundo classificado:
Second Place : Mexico - FTK Mill (No BLS)
1Tp2Morphing Jar
1MrdSangan
2AstNight Assailant
2MrlMystic Tomato
1MrlCyber Jar
magics
3PsvThe Shallow Grave
2MrlUpstart Goblin
2MrlGiantTrunade
1LobPot of Greed
2AstLevel Limit - Area B
3DcrDragged Down Into The Grave
3PgdBook of Moon
3DcrSpell Reproduction
3PgdBook of Taiyou
3IocReload
1PsvPremature Burial
1SdpGraceful Charity
1LobSwords of Revealing Light
1RdsSerial Spell
1MrdHeavy Storm
1SdyCard Destruction
2FetA Feather of the Phoenix
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Morphing Jar/Cyber Jar tem sinergias com:
The Shallow Grave x3
Book of Moon x3
Book of Taiyou x3
Feather of the Pheonix x2
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Night Assailant tem sinergias com:
Dragged Down Into the Grave x3
Graceful Charity
Card Destruction
Morphing Jar
A Feather of the Phoenix x2
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Serial Spell tem sinergias com:
Pot of Greed
Book of Taiyou x3 (com Cyber e Morphing Jar em campo)
Spell Reproduction x3
-
Spell Reproduction tem sinergias com:
Book of Moon x3
Book of Taiyou x3
Pot of Greed
The Shallow Grave x3
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The Shallow Grave tem sinergias com:
Card Destruction
Graceful Charity
Dragged Down Into the Grave x3
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Estão a ver quantas cartas neste deck é que têm sinergias entre si? Bem, tirando Swords of Revealing Light, Level Limit - Area B, Heavy Storm e os Giant Trunades acho que são TODAS. 35 cartas...
E quantas delas é que têm meios eficazes de serem paradas? Umas 5 ou 6.
Quantas dessas 5 ou 6 é que eram esperadas nos Mundiais? 1 ou 2...
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Esse é o verdadeiro poder da originalidade: Maximizar o número de sinergias num deck, aproveitando o inesperado para garantir que os adversários têm o mínimo número possível de cartas para contrariar a nossa estratégia.
Claro que nunca tudo é bom. Um deck destes não tem a mínima hipótese de ganhar dois grandes torneios seguidos.
A partir do momento em que a estratégia tem alguma visibilidade, os adversários (e respectivos side decks) passam a estar preparados para ela.
Mas quantos decks originais e competitivos é que é possível construir num jogo como Yu-Gi-Oh! com uma card pool de muitos milhares de cartas? Dezenas.
E para quantos decks diferentes é que um Side Deck pode estar preparado mantendo uma eficiência razoável? No máximo, eu diria que uns 5 ou 6.
Agora que aqueles que ainda não adormeceram ou desistiram de tentar perceber tudo aquilo que eu disse depois do primeiro parágrafo já devem estar a ficar fartos, deixo apenas um conselho final para terminar.
Criar decks originais dá mais trabalho do que ir à net e copiar o deck que venceu o último Shonen Jump Championship, mas vale a pena. Na melhor das hipóteses conseguem um deck que funciona e podem surpreender os adversários com ele, na pior das hipóteses estarão muito mais bem preparados se algum dia enfrentarem um jogador que realmente conseguiu pôr esse deck a funcionar, porque já têm uma ideia muito melhor de como ele funciona. Espero que este artigo tenha sido útil para alguém (acho que já seria demais esperar que fosse útil para dois ou mais jogadores). Se não foi... bem, acho que a minha reputação de maluco já não podia piorar de qualquer forma. Have some nice duels! "